Ao longo dos anos, a Justiça brasileira tem aprimorado a aplicação do princípio da insignificância, que não consta em lei, mas tem se consolidado na jurisprudência. Apesar disso, muitos casos como esses, considerados insignificantes na Justiça, chegam nas instâncias superiores e saltam aos olhos por gerar uma sobrecarga no Poder Judiciário, a superlotação do sistema prisional e a reflexão de até que ponto a aplicação de prisões em casos assim são efetivas sobre a questão da criminalidade.
O que é?
O princípio decorre do entendimento de que o Direito Penal não deve se preocupar com condutas em que o resultado não é suficientemente grave a ponto de não haver necessidade de punir o agente nem de se recorrer aos meios judiciais, por exemplo, no caso de furto de pequeno valor, estelionato, pequenas infrações tributárias e até posse de pequena quantidade de munição desacompanhada de arma de fogo.
O defensor público de MG Flavio Wandeck, atuante no caso do steak de frango no STJ, explicou ao Migalhas que, para a aplicação da insignificância, deve ser verificado caso a caso.
Como é aplicado?
Segundo o defensor, o princípio é aplicado aos casos de crimes cujo resultado não é suficientemente grave a ponto de haver necessidade de punir o agente.
Para isso, são necessários alguns requisitos, como a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
De acordo com Wandeck, os requisitos são abstratos e a própria jurisprudência tem dificuldade de estabelecer o que cada um significa. O defensor destaca ainda que os tribunais não têm aplicação uniforme e dentro do próprio STF, por exemplo, há divergência quanto à aplicação no caso de reincidentes.
Filtros
Na última segunda-feira, 15, o ministro do STJ Marco Aurélio Bellizze concedeu entrevista ao Migalhas tratando do princípio da insignificância. Segundo o magistrado, “há necessidade de controles de demandas que chegam aos Tribunais Superiores”. Ele chamou atenção para a discussão, no Congresso, da PEC 10, que trata de filtros de causas que possam ou não chegar ao STJ.
Jurisprudência
O ministro Gilmar Mendes, do STF, considera inadequado afastar o princípio da insignificância “tão somente pelo fato de o recorrente possuir antecedentes criminais”.
No STJ, por exemplo, o ministro Paciornik apontou, ao conceder HC a mãe que furtou miojo, que a jurisprudência da Corte entende que a habitualidade na prática de delitos, mesmo que insignificantes, afasta a incidência da bagatela. Entretanto, ele ponderou que há situações em que o grau de lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal é tão ínfimo que não se poderia negar a incidência do princípio.
O ministro Sebastião Reis Jr. se mostrou indignado no caso do furto de steak. Segundo o ministro, os tribunais e Ministério Público não seguem os entendimentos aplicados e os precedentes da Corte, e continuam insistindo em processos que já são pacificados.
“Quanto se gastou com esse processo? O jeito que está não é possível continuar mais.” O ministro ressaltou dados que coletou nos últimos tempos da quantidade de processos no âmbito penal do STJ: “É humanamente impossível julgar tudo”, lamentou.